Ayrton Senna: memória e presença
- Júlia Palomares Aro
- há 1 dia
- 5 min de leitura
Como o tricampeão é presente na vida corriqueira do brasileiro mesmo depois de 31 anos de sua partida
Há 31 anos, o Brasil perdeu um dos seus maiores ídolos, o automobilismo perdeu um dos seus melhores competidores, a chuva perdeu seu Rei, a família Senna perdeu seu Beco. Ainda assim, Ayrton Senna segue presente das formas mais e menos óbvias. É fácil ver o tricampeão quando as gotas caem do céu e chegam à pista, quando um retrato dele é estampado num prédio em Interlagos, quando, nas arquibancadas, o público grita “olê olê olá” e repete seu nome de novo, mesmo depois de tanto tempo. Mas a existência de Senna, ainda hoje, vai muito além dos muros do Autódromo.
![[Imagem: Acervo pessoal/Sídio Júnior]](https://static.wixstatic.com/media/f20bb4_3b404656cc1b4473a3ab3648f8c21326~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_653,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/f20bb4_3b404656cc1b4473a3ab3648f8c21326~mv2.jpg)
Não é preciso muito para encontrar sua imagem pelas ruas do país. Lembrar de Senna não é coisa rara, não exige pesquisa rebuscada, muito pelo contrário, sua memória muitas vezes se faz no corriqueiro. E por mais que sejam mais de três décadas de ausência, isso nunca significou esquecimento. Porque a Leticia ainda pensa em Senna quando assiste à Fórmula 1 e lembra das histórias que seu avô a contava. Porque Sídio não deixa de recordar de quando era criança e colava as figurinhas de Senna em seu álbum. Porque o rosto do piloto e suas frases continuam sendo reprisadas pelas paredes do Brasil.
Levando em consideração que Senna correu na Fórmula 1 entre 1984 e 1994, é natural que boa parte do público atual da categoria não tenha acompanhado a trajetória do tricampeão. No entanto, sua carreira não se tornou desconhecida, ela fez o caminho contrário, e passou a ser uma rememória contínua, que é passada de geração em geração. Um exemplo disso é Leticia Célio, de Campinas, que nasceu dez anos depois da morte de Ayrton Senna, e mesmo assim o piloto não se tornou figura desconhecida para ela, graças ao seu avô, Dilson Santos, que fez questão de repassar suas lembranças à neta.
Leticia recorda seu avô e Senna quando conta: “Eu acordava todo domingo de manhã e ficava com meu avô na sala vendo as corridas desde criança, quando não entendia, gostava dos carros coloridos. Com o passar do tempo, meu avô me explicou sobre as corridas, e com elas veio o Senna. Ele gravou algumas corridas dos anos 90, e as vitórias do Senna eram suas favoritas, ele me mostrava todas as que conseguia e me falava muito do Senna, como uma criança fala de um super-herói. Acho que isso uniu muito nós dois, era um programa só nosso”. Assim, o piloto virou ídolo, herói, memória, conexão.
A experiência de se conectar através do esporte e da recordação do atleta não se restringe a Dilson e Leticia, pelo contrário, se repete muitas vezes. Sídio Júnior, soteropolitano de 41 anos, conta uma dessas histórias. Ele começou a assistir às corridas da F1 na infância, junto ao seu pai viu as disputas de Senna, se apaixonou pelo esporte, colecionou figurinhas do brasileiro na McLaren, cresceu e até hoje assiste às corridas da categoria, agora com sua filha, que, apesar de nunca ter acompanhado a carreira de Senna, escutou as histórias do pai. E mesmo que as maiores emoções da filha em relação ao esporte aconteçam quando ela assiste aos pilotos atuais, Sídio conta: “sinto que ela tem um respeito e apreço pelo que compartilhei com ela sobre ele”.
Apesar dessas histórias mencionadas estarem extremamente ligadas ao esporte, se engana quem pensa que as memórias se restringem ao que acontecia durante os Grandes Prêmios. Elias Moreira, paulistano de 54 anos, assistia às corridas da F1 com seu irmão, no sábado anterior ao domingo de corrida ia à feira, comprava cerveja, azeitonas e mortadela e se preparava para assistir às disputas. Ainda assim, sua memória mais especial a respeito de Senna não se fez na pista. Elias conta: “quando eu trabalhava de office boy, eu vi ele no apartamento que ele tinha próximo ao Estádio do Pacaembu, eu vi ele uma vez”, e acrescenta: “Ayrton Senna continua sendo um ídolo”. Mais de três décadas depois da morte do piloto, Elias ainda tem apreço pelo tricampeão e carinhosamente guarda miniaturas das McLarens com as quais Senna correu.
Por isso, não é exagero dizer que Ayrton Senna está no corriqueiro. Porque ele esteve no álbum de figurinhas, na feira, na cerveja, na criança que conta uma história de super-herói. Porque ele está no desenho feito na parede da estação de trem, no livro na estante, na história que se passa com gosto - e com gosto de saudade -. Everaldo Mendes, de 48 anos, natural de Carinhanha, assistiu às temporadas de Senna na F1, foi fã do piloto e conta que, para ele, o que fez com que Senna perdurasse tanto tempo foi seu jeito. Nas palavras de Everaldo, Senna foi: “um cara bom, uma pessoa boa, humilde, que passava muita coisa para os brasileiros. Todo mundo queria tentar fazer pelo menos um pouquinho da história que ele fez no esporte”.
A paixão não parou por aí, Everaldo a repassou à geração seguinte, e hoje sua filha Mirielle também é fã do esporte. A respeito disso, ele comemora: “em muitas coisas a Mirielle se parece muito comigo. Ainda bem que ela aprendeu a gostar de uma coisa que o pai dela gostou muito”, e depois de revisitar algumas memórias a respeito do piloto, diz: “ eu fico até sem palavras para falar e descrever Ayrton Senna. Foi uma pessoa que deixou um legado muito grande”. E assim, o que Senna significa parece até hoje não ter sido completamente compreendido, apesar da memória ser coletiva e a emoção também.
Carla Giovanni, paulistana de 53 anos, acompanhou o auge da carreira de Senna, sempre foi fã declarada do piloto. Por isso, fez dele uma presença, colocou um pequeno macacão vermelho na porta da maternidade quando teve seu primeiro filho, assistiu à primeira vitória do Ayrton Senna no GP do Brasil ao vivo em Interlagos e guardou livros que o mencionaram. A última história que Carla conta é que estudou na mesma escola em que Senna havia estudado, e que por lá existiam muitas memórias do piloto. Hoje, isso é maior que o colégio, e uma quantidade muito maior de lugares registra o que foi, por onde esteve e a marca que Senna deixou.
As lembranças são muitas, para todos que viveram a presença de Ayrton de perto ou de longe. Carla se emociona ao contar as suas e reitera que Senna continua sendo o seu herói. Depois de 31 anos, o Brasil ainda lembra de um dos seus maiores ídolos, o automobilismo nunca se esqueceu de um dos seus melhores competidores, a chuva continua caindo nas pistas, a família Senna segue reiterando a memória de Beco. O piloto continua sendo estampado nas paredes, estejam elas no Autódromo ou nas estações de trem. Seja em São Paulo, Campinas, Salvador ou Carinhanha, seja a geração que assistiu e contou ou a geração que chegou depois e escutou as histórias, lembrar de Ayrton é fácil. Passado, presente, Senna, sempre.
Muito bom Ju, os relatos são emocionantes