Ingo Hoffmann: história, preço de ser maior campeão da Stock Car e vida fora da categoria
- Júlia Palomares Aro
- 10 de abr. de 2023
- 6 min de leitura
Atualizado: 1 de mai. de 2023
Em entrevista, piloto reconhece vitórias, cansaço mental e conta sobre atuação fora das disputas
[O que é ‘Por trás do volante’ ? Por trás do volante é uma série de matérias que contam histórias de pessoas do automobilismo, não só seus resultados nas pistas. Aqui conheceremos mais sobre pilotos, engenheiros, chefes de equipe e quem mais marcar presença nos paddocks, afinal, não é só na pista que estão as histórias do automobilismo, muitas vezes elas estão em outro lugar, por trás do volante. ]
Se você acompanha o automobilismo nacional, provavelmente conhece o nome “Ingo Hoffmann” muito bem. Se não, vai conhecer agora! Um dos maiores pilotos do Brasil, Ingo Hoffmann correu dentro e fora do país, passou por Fórmula 3, Fórmula 2, Fórmula 1 e Stock Car, onde permaneceu por 30 anos e venceu 12 temporadas, um feito que não está nem perto de ser igualado pelos atuais competidores da categoria. Em entrevista ao ‘box box boletim.’, ele contou mais sobre como essa história começou, porque terminou e o que viveu - e vive - para além das pistas.

[Imagem: autoria desconhecida/ Reprodução: redbull.com ]
Antes de uma profissão, uma paixão de infância
Ingo Hoffmann já estava nas pistas muito antes de ser piloto. Em entrevista, ele conta desde o início da sua história de paixão por carros de corrida, que começou quando ele ainda era um garoto. Desde criança, Ingo já vivia em autódromos, acompanhava revistas especializadas, pulava as cercas de Interlagos para assistir às corridas, andava no meio da pista e via os carros passarem ao seu lado, num tempo onde, lógico, o meio era bem menos restrito que atualmente. Tempo no qual Ingo mal sabia do piloto que se tornaria.
Dentre as memórias de infância, ele relembra uma: “meu tio tinha uma produtora cinematográfica, ele foi contratado para fazer alguns vídeos, algumas filmagens no Autódromo de Interlagos, e eu era bem criança, bem garoto. Ele me levou e me deixou lá, numa sala especial para a imprensa. Isso foi no final dos anos 60 e foi um momento marcante. Eu ficava lá, pra cima e pra baixo”. Era o começo de uma longa jornada.
Início na Stock Car
A Stock Car foi a maior categoria da carreira do piloto, mas antes dela muito aconteceu. Ingo Hoffmann participou de outras categorias nacionais - como a F-Super Vê - e internacionais - como a Fórmula 3, a Fórmula 2 e a Fórmula 1. O piloto retornou ao Brasil da sua temporada internacional na F1 no final de 1978, e em 1979 a Stock foi criada. Tudo estaria perfeito se não fosse um 'detalhe': não era do interesse dele competir na categoria.
Ele revela ao ‘box box boletim.’ como começou sua história com a Stock Car, a mais vitoriosa de sua carreira: “eu não tinha mais patrocínio para continuar lá fora, o contrato que eu tinha com a equipe de Fórmula 1 - Copersucar (Fittipaldi) - não deu continuidade. Eu voltei ao Brasil e a Stock Car estava surgindo. A princípio, eu não queria participar da Stock Car. Era um carro original, era um Opala, e a minha vontade era continuar correndo de carros de fórmula, mas eu não consegui viabilizar minha participação em nenhum campeonato”.

[Imagem: autoria desconhecida/ Reprodução: redbull.com ]
Então, veio o convite. O piloto conta: “eu tinha um amigo que trabalhava em uma agência de publicidade que atendia a General Motors, e a General Motors estava criando o campeonato de Opala Stock Car. Eles me viabilizaram o patrocínio porque eles queriam ter um nome de representatividade dentro da categoria, para tentar trazer mais mídia. Através desse patrocínio da General Motors eu acabei entrando na categoria, mas, de início, contra a minha vontade”.
Apesar de ter sido contra a sua vontade, tudo indica que valeu a pena. Em retrospecto, o piloto reflete que, mesmo que a categoria não fosse a sua preferência na época, ele ficou 30 anos nela, venceu 12 vezes o campeonato e fez o seu nome no Brasil dentro da Stock Car. “Acabei criando um amor muito muito muito grande pela categoria”, declara o piloto.

[Imagem: reprodução/Miguel Costa Jr. ]
Por trás do sucesso
Ao início de sua carreira, Ingo Hoffmann não imaginava obter todo esse sucesso nas pistas, ainda que pilotasse pensando em vencer. Surpreendentemente, o piloto diz que o que o fez alcançar tantas vitórias foi a mudança dessa mentalidade: “eu acho que um dos segredos de eu ter vencido tantos campeonatos é que muitas vezes eu deixei de pensar na vitória e pensei na pontuação. No decorrer do tempo, eu comecei a pensar em corridas de campeonato”. Em outras palavras, deixou de tentar trocar posições seguras por melhores ainda quando isso significava arriscar preciosos pontos do campeonato na disputa de posições.
Isso não significa desistir de disputar, muito pelo contrário, quando Ingo sentia que tinha carro para alcançar a ponta da corrida, era por essa posição que brigava. Ele conta: “eu mudei meu pensamento, mas sempre o instinto do piloto é ganhar. Sempre”. Vale ressaltar que não foi só essa mudança que o deixou no topo por tanto tempo. “Isso me manteve competitivo, mas não adianta você pensar em fazer corrida de campeonato se você não tiver talento e capacidade para ganhar corrida. Você tem que mesclar essas coisas com boas equipes, bom preparo físico, patrocínio. É uma soma”, afirma o 12 vezes campeão.
Despedida da categoria
“Só eu sei o preço que eu paguei para ganhar o que eu ganhei”.
Depois de 3 décadas na Stock Car, Ingo Hoffmann, mesmo ainda obtendo sucesso, resolveu deixar a categoria. O piloto conta que a principal razão disso foi o cansaço, mas não destaca o físico. Ele relata que o decisivo na sua escolha de parar foi o cansaço psicológico em razão de sempre querer alcançar a perfeição. “Só eu sei o preço que eu paguei para ganhar o que eu ganhei”, declara.
Apesar da exaustão, Ingo Hoffmann somou esforços para terminar essa fase da carreira numa alta. O piloto começou seu último ano na Stock Car com pole e terminou com pódio, nada mais adequado que isso para o maior campeão da categoria. Ele revela ainda que sempre teve grande preocupação em encerrar a carreira de maneira competitiva, “eu não queria que o sistema me expulsasse e eu tenho plena consciência que eu parei porque eu quis. Eu parei no topo, isso é muito importante para mim”, relata.
Criação e impacto do Instituto Ingo Hoffmann
Ingo Hoffmann não trabalhou só dentro das pistas. Em 2005, o piloto idealizou o Instituto que recebe o seu nome e ampara crianças em tratamento contra o câncer e suas famílias. Ele conta como surgiu o projeto: “eu queria uma maneira de retribuir o que a vida me deu. Primeiro, a vida me deu talento, talento você nasce com, não consegue comprar. Segundo, eu consigo transformar esse talento em profissão, não tem coisa melhor que você trabalhar no que gosta. E dentro desse meu trabalho, dessa minha curtição, eu fui bem sucedido, então eu falei ‘vou retribuir fazendo o Instituto’ ”.

[Imagem: reprodução/ingohoffmann.org ]
O principal projeto do Instituto é a “Casa da Criança e da Família”, que conta com 30 chalés para abrigar crianças que estejam passando pelo tratamento e um de seus familiares. Ainda que tenha sido idealizado em 2005, o Instituto Ingo Hoffmann só foi inaugurado em 2007. Ingo conta: “ em abril de 2007, entrou a primeira família e eu vi a gratidão. São famílias que não teriam condições de se manter em Campinas durante o período de tratamento das crianças, e o tratamento pode demorar anos, então elas ficam com a gente no Instituto”.
Mais tarde, Ingo infelizmente entendeu mais de perto o que aquelas famílias passam. Ele relata: “em 2010, eu descobri que meu filho tinha um tumor no cérebro e ele veio a falecer em 2015, então eu me coloquei, de certa forma, no lugar dessas famílias. Só que eu sempre tive condições de ter uma boa casa, de dar tudo do bom e do melhor que o meu filho precisava, aí eu senti na carne a importância que o Instituto tem para essas famílias”.
Passar adiante
Além das corridas e do Instituto, Ingo Hoffmann ministra o curso de pilotos da BMW e se declara um apaixonado pela marca, que chegou ao Brasil no início dos anos 90. De início, quem era responsável pelas importações da marca no país, coincidentemente, era a mesma concessionária que patrocinava Ingo Hoffmann, a conexão estava feita. Em 1995, a BMW Brasil assumiu as importações, em 1997, o piloto foi à Alemanha fazer o curso do programa de pilotos e, no ano seguinte, 1998, essa história começou oficialmente, com o início do curso no Brasil. Responsável por ministrá-lo ainda em 2023, o piloto declara: “é um programa fantástico”
Não é só no curso da BMW que Ingo Hoffmann passa o seu conhecimento adiante. Em 2023 o piloto será o mentor de Felipe Baptista, que corre na Stock Car. “Eu vou tentar passar toda essa experiência que eu adquiri nesses 30 e tantos anos correndo para um garoto novo que tem um talento incrível”, declara Ingo Hoffmann sobre seu próximo passo em sua jornada nas pistas.
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